Um dos maiores desafios da medicina moderna é mover-se em direção ao estabelecimento da chamada medicina de precisão, definida como  “uma abordagem emergente para tratamento e prevenção de doenças que leva em conta a variabilidade individual de genes, ambiente e estilo de vida para cada pessoa”1. O objetivo da abordagem é, dentre outros,  aumentar a especificidade do paciente para que o tratamento correto seja administrado ao paciente certo, na hora certa, na dose certa.

Os resultados iniciais da nascente medicina de precisão já podem ser vistos na forma como o câncer vem sendo tratado2, propiciando consideráveis avanços em resposta clínica e tempo de sobrevida aos pacientes. O posterior desenvolvimento dessa fronteira da medicina trará benefícios ao tratamento de todos os demais tipos de doenças. Neste contexto, a patologia vem desempenhando um papel fundamental no estabelecimento da medicina de precisão ao prover uma maior quantidade de informação diagnóstica e opções de tratamento disponíveis.

O desenvolvimento de novos sistemas e tecnologias tem possibilitado não apenas a aquisição de mais informação, mas também possibilitado que patologistas se envolvam mais no gerenciamento clínico de pacientes. Isso acontece principalmente por dois motivos.

Em primeiro lugar, diferente do passado, o diagnóstico dos tumores é feito antes de sua remoção, devido à nova capacidade de adquirir amostras de tecidos através de tecnologias guiadas por imagens; Isso significa que clínicos e patologistas têm as informações relevantes e podem tomar decisões de gerenciamento mais complexas. Paralelo a isso, houve uma crescente expansão de opções terapêuticas que co-evoluem e alimentam a aquisição de mais informações.3

Em segundo lugar, a quantidade de exames que pode ser feito em pequenas quantidades de tecidos tem aumentado sobremaneira. Isso permite um poder de resposta preditiva muito superior ao que ja tivemos antes. Um dos melhores exemplos a ser citado é a situação de pacientes com carcinoma de pulmão – a maioria dos pacientes tem apenas uma exígua amostra de tecido tumoral que, apesar de sua fragilidade, permite um diagnóstico do tipo de tumor presente em relação ao seu tipo histológico, mas também permite avaliar o adequação do paciente para várias terapias direcionadas atualmente disponíveis (mutação de EGFR, rearranjo de ALK, expressão de PD-L1, dentre outros).

Para uma Medicina de Precisão olhe a patologia com precisão

Outro ponto de significativa relevância diz respeito a qualidade da informação gerada pelo laboratório de patologia. Hoje essa informação é muito mais detalhada e com grande capacidade de prover orientação clínica. Em câncer de mama, por exemplo, os patologistas podem fornecer informações sobre o status dos receptores de estrogênio e progesterona e o status de expressão da proteína HER2. Os pacientes cujo tumor superexpressa HER2 devido à amplificação do gene subjacente podem ser tratados com anticorpos monoclonais anti-HER2. Isso coloca os patologistas em uma posição relevante na equipe responsável pela orientação do manejo do paciente. É esperado que o continuo desenvolvimento da inteligência artificial e o barateamento de testes moleculares e sequenciamento genético e suas ômicas (genômica, proteômica, metabolômica) venham aumentar exponencialmente a quantidade de informação, elevando também a precisão da orientação clinica associada.

A capacidade de adquirir e processar sinais, sintomas, achados clínicos, dados laboratoriais e epidemiológicos foi o que sempre fez a medicina em suas práticas. Contudo a medicina de precisão está levando está prática a um novo nível, em outras palavras não há como exercer a medicina de precisão sem gerar melhor e mais informação. Portanto, o caminho para o estabelecimento da medicina de precisão passa obrigatoriamente pela patologia. É necessário esclarecer que essa fronteira da medicina é uma construção trans e multidisciplinar onde pesquisadores das mais diversas áreas incluindo as ciências biomédicas, física e informática precisam trabalhar em parceria. Entretanto, na pratica cotidiana médica essa informação tende a concentrar mais na patologia.

Para atingir essa nova fronteira da medicina, há desafios que a patologia deve superar. O primeiro deles é se familiarizar e integrar as informações derivadas da multiplicidade de técnicas novas e sofisticadas disponíveis que contribuem para a profundidade das informações que acompanham o diagnóstico patológico, incluindo o sequenciamento extensivo e a patologia digital. O segundo desafio é melhorar a comunicação e integração entre patologistas e a equipe que cuida diretamente do paciente, esta interação tende a aumentar e será a qualidade dela um fator determinante que propiciará cuidados efetivamente melhores aos pacientes.

 

REFERÊNCIAS

  1. The Precision Medicine Initiative. Available at <https://obamawhitehouse.archives.gov/precision-medicine>
  2. Shannon J. McCall and Sarah M. Dry. Precision Pathology as Part of Precision Medicine: Are We Optimizing Patients’ Interests in Prioritizing Use of Limited Tissue Samples? JCO Precision Oncology 2019 :3, 1-6
  3. KAUL, K.L. Preparing pathology for precision medicine: challenges and opportunities. Virchows Arch. 471(2). 2017